“Cazuza – Boas Novas”: O Grito Final de um Gênio Insubmisso

“Cazuza – Boas Novas” é mais do que um documentário. É um retrato visceral da fase mais intensa, criativa e corajosa da vida de um dos maiores poetas do rock brasileiro. Dirigido por Nilo Romero, o filme mergulha nos últimos dois anos de vida do cantor, entre 1987 e 1989, quando, mesmo já diagnosticado com AIDS, Cazuza alcançou seu auge artístico e entregou ao público três álbuns emblemáticos — Só Se For a Dois, Ideologia e Burguesia — além de apresentações memoráveis que desafiaram o tempo, o corpo e o preconceito.

Com um olhar íntimo e afetuoso, o documentário constrói sua narrativa a partir de depoimentos comoventes de pessoas que estiveram ao lado do artista até o fim — nomes como Ney Matogrosso, Gilberto Gil, Frejat, Leo Jaime e sua mãe, Lucinha Araújo. Entre imagens raras e relatos inéditos, o filme resgata momentos emblemáticos da trajetória de Cazuza nesse período: da polêmica em que cuspiu na bandeira nacional à sua emocionante performance no casamento de George Israel, passando pela decisão histórica e corajosa de tornar pública sua condição de saúde.

Longe de ser uma biografia tradicional, Boas Novas não pretende cobrir toda a trajetória do cantor. Questões como o início da carreira, o uso de drogas e seus relacionamentos amorosos ficam de fora. O foco está na reta final — no poder criativo e na intensidade com que Cazuza, mesmo debilitado, continuou compondo, cantando e se reinventando como artista. A turnê de Ideologia, dirigida por Ney Matogrosso, e a gravação do disco Burguesia, feita entre internações e sessões em estúdio com o cantor já em cadeira de rodas, revelam não apenas o talento, mas a força e a entrega que marcaram seus últimos dias.

Mais do que um registro documental, Cazuza – Boas Novas é um tributo afetuoso a um artista que nunca se calou. Em vez de se render à melancolia, o filme celebra sua rebeldia, sensibilidade e poesia, ressaltando a urgência com que viveu, escreveu e cantou. A trilha sonora, recheada de sucessos do próprio Cazuza e de artistas que marcaram sua trajetória, costura a narrativa com emoção e memória.

No fim, o documentário emociona ao mostrar que Cazuza não apenas desafiou a morte — ele a transformou em arte. Com voz rouca, versos afiados e o coração escancarado, ele deixou ao Brasil não só canções eternas, mas também um exemplo raro de coragem, autenticidade e amor pela vida.

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